Odontopediatria

O papel do Flúor na prevenção da cárie dentária

A saúde oral do seu filho é muito importante. Desde o nascimento do primeiro dente de leite é importante higienizar corretamente a boca do seu filho, de forma a evitar o aparecimento de lesões de cárie.

Segundo um estudo realizado em 2020, a cárie dentária em dentes de leite, tem ainda nos dias de hoje, uma prevalência a nível mundial de cerca de 46% (Kazeminia, Mohsen, et al., 2020).

Infelizmente ainda é um número bastante elevado, tendo em conta o conhecimento que se tem vindo a adquirir sobre a doença, bem como a quantidade de informação disponível e a facilidade no seu acesso.

Sabe-se que os dentes de leite possuem características anatómicas próprias que os tornam mais suscetíveis a sofrer de cáries profundas e extensas, de forma muito mais rápida e agressiva do que nos dentes definitivos.

Estas lesões de cárie podem comprometer gravemente a qualidade de vida da criança, ao desencadear dor, infeção, abcesso, perturbações no sono noturno, má nutrição, alterações de crescimento, menor frequência escolar e consequente menor rendimento escolar.

Hoje temos conhecimentos para afirmar que esta doença pode ser altamente prevenida, principalmente através de corretos hábitos de higiene e alimentares.

A utilização do flúor na prevenção da cárie dentária é um tema muito atual, mas ainda bastante controverso, que continua a ser questionado por muitos pais.

Cabe-nos a nós, profissionais de saúde, informados e atualizados, desmistificar assuntos como este e alertar para a sua eficácia e segurança quando utilizado corretamente.

Antes da utilização do flúor, a cárie dentária afetava cerca de 95% da população mundial!

Desde que as propriedades anti-cárie do flúor foram descobertas no século XX, sabe-se que o flúor é uma das razões mais importantes, senão a mais importante, para a diminuição da cárie dentária.

A sua utilização em larga escala em todo o mundo, tornou possível milhões de pessoas beneficiarem do seu valor preventivo e verificou-se uma diminuição na severidade desta doença.

Por isso, de forma a prevenir esta patologia, a Organização Mundial da Saúde (OMS) defende que a utilização de dentífrico com flúor é a forma mais eficaz para o fazer, recomendando a sua utilização na escovagem dos dentes a partir do momento do nascimento do primeiro dente na boca.

Sabe-se que os benefícios/mecanismo de ação do flúor são essencialmente inibir a proliferação de bactérias cariogénicas que aderem ao esmalte e permitir a remineralização do esmalte após os períodos de queda de pH decorrentes da alimentação.

Esta remineralização quando ocorre na presença de flúor, faz com que o flúor seja incorporado no esmalte, fortalecendo a estrutura dentária. Este esmalte fica muito mais resistente por se tornar menos solúvel a ácidos quando sofrer novamente um processo de desmineralização. Por outro lado, o flúor disponível topicamente é absorvido pelas bactérias cariogénicas e, no seu interior interfere na sua atividade, reduzindo a sua produção de ácidos.

Antigamente pensava-se que se deveria dar flúor sistémico via oral, na forma de comprimidos ou gotas às crianças, mas veio a ser provado que o mecanismo de ação do flúor é essencialmente tópico, ou seja, direto sobre os dentes, e que raramente esse flúor ingerido chegava aos dentes e que até, em alguns casos, poderia causar sobredosagem/toxicidade.

A partir de então começou a dar-se preferência à administração de flúor sob a forma tópica (dentífricos, colutórios, géis, vernizes), em vez da forma sistémica (através de comprimidos ou gotas).

Assim, face à evidência científica atualmente disponível, as recomendações da Direção Geral da Saúde (DGS), são que no dia-a-dia é dada prioridade às aplicações tópicas de flúor sob a forma de dentífricos administrados na escovagem dos dentes a partir do momento do seu nascimento na boca.

A DGS defende ainda que os comprimidos e gotas anteriormente recomendados só deverão ser administrados após os 3 anos a crianças com alto risco de cárie dentária.

A escovagem dentária deve ser realizada no mínimo 2x/dia (uma obrigatoriamente ao deitar), com pasta de dentes com flúor com a concentração de 1.000 ppm e uma escova macia.

Deve procurar esta dosagem no rótulo da embalagem e não se deve guiar pela idade expressa no mesmo, pois algumas pastas infantis têm quantidade inferior a 1.000 ppm de ioões de flúor e algumas não têm mesmo flúor, que não é de facto o recomendado, pois não possuem a função preventiva e remineralizadora que temos vindo a discutir ao longo deste artigo.

Não precisa de água, nem para humedecer a escova, nem para depois da escovagem. Se assim o fizer, ficará mais dentífrico concentrado à volta das superfícies dentárias, a promover a sua remineralização, e não será produzida tanta espuma, que poderá mais facilmente ser deglutida pelo bebé.

À medida que a criança vai crescendo, deve ser ensinada a cuspir no final da escovagem, e não deve bochechar, de forma a não remover o flúor que ficou aderido ao esmalte.

Para que seja segura a utilização de dentífricos fluoretados em crianças, deve haver moderação na quantidade de dentífrico colocado na escova, consoante a idade da mesma e o perigo da sua deglutição.

Se a quantidade de pasta for muito bem doseada, estamos a permitir uma eficaz prevenção da cárie dentária com segurança, mesmo que o bebé ou a criança a degluta.

  • Para crianças dos 0 aos 2 anos, a quantidade de pasta colocada na escova deve ser equivalente a meio grão de arroz cru.
  • Em crianças com idade compreendida entre os 2 e os 6 anos, a quantidade de pasta colocada na escova deve ser equivalente a um grão de arroz cru.
  • A partir dos 6 anos, geralmente as crianças já não deglutem a pasta, por isso a quantidade de pasta colocada na escova já pode ser equivalente a uma ervilha. A partir de então, entre os 6 e os 12 anos, os dentes definitivos começam a substituir os de leite, por isso a criança já deverá começar a utilizar uma pasta com uma concentração de flúor de 1.450 ppm F, e são necessários cuidados redobrados para os manter saudáveis a vida toda.

Mesmo que gradualmente comece a dar alguma autonomia à criança, é importante vigiar a escovagem e não deixar a criança colocar a pasta na escova, de forma a que um adulto possa fazer o correto doseamento da quantidade de pasta ajustada à sua idade.

Durante o dia não deve também deixar o tubo de pasta acessível à criança. Os tubos de pasta não têm tampas de segurança, pelo que é fácil, devido ao sabor adocicado e apelativo que geralmente possuem, que uma criança possa ter a tentação de engolir de forma voluntária uma porção de pasta.

Para contornar esta tentação, deve evitar utilizar uma pasta com sabores atrativos, de forma a evitar a deglutição deliberada.

Na hora de comprar um dentífrico, hoje em dia de facto a oferta é muito vasta, seja na farmácia ou no supermercado, tem várias opções de escolha, com diferentes marcas, sabores, cores, composições, imagens de marketing associadas, etc. Mas mesmo que escolha uma pasta mais natural ou vegan, procure sempre que tenha pelo menos 1.000 ppm de flúor.

Uma pasta sem flúor não tem o efeito preventivo anti-cárie e remineralizante descrito, apenas terá a função desengordurante de um “sabão”.

E não se esqueça que podemos utilizar a melhor pasta de dentes do mundo, com a maior quantidade de flúor, ou o melhor elixir, mas se não existir uma correta escovagem, não há a remoção mecânica das bactérias e restos alimentares aderidos aos dentes, e por isso não há sucesso na higiene oral e na prevenção da cárie.

E claro que, é importante ter em conta os hábitos dietéticos, sendo que o desejável é evitar hidratos de carbono e açúcares, principalmente daqueles que ficam colados aos dentes. Mas isso será tema a ser discutido num próximo artigo.

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